A Maravilhosa era dos Livros como Lixo Cultural

            Finalmente aconteceu. Até demorou bastante, mas a Indústria Cultural enxergou a rentabilidade do mundo literário e conseguiu estender os seus dedinhos gordurosos até as páginas dos livros e impregnou tudo com gordura de fast food.
            Ou você nunca notou como os roteiros dos novos lançamentos são todos tão parecidos? Como as capas copiam umas as outras? Como tudo o que os autores querem agora é ser famosos? Como você, leitor, quer ser um escritor também? Não pense que é tudo um processo natural e que você é inovador por ter boas ideias que com certeza poderiam se tornar um livro de sucesso. Isso, meus amigos, é premeditado, e desde 1930 homenzinhos espertos estudavam esse terrível fenômeno.
            Seja bem-vindo ao obscuro mundo da Indústria Cultural (mas ei, você já está nele há bastante tempo sem sequer saber)!
         
*Esse artigo é meio grandinho, mas como estou escrevendo para leitores tenho certeza de que eles não se intimidarão.

            A mídia é uma das formas modernas de se exercer democracia; é através da transmissão em massa que se rege a sociedade. Mas isso você já deve saber. Conhecimento é poder, certo? Alguns grupos começaram a estudar essa nova mídia por não acreditar que a democracia saía pronta dela, já correta, já fortalecida, já embalada. Os críticos estudaram a mídia e seu poder de fundar valores como meio de alienação das massas.
            Não vamos nos perder em reflexões político-sociais aqui, pois o que o título do post promete é discutir como isso afeta os livros na sua estante. E como afeta! Acredite, você nunca teria ouvido falar daquele seu livro favorito, que te faz passar horas em grupos de discussão na internet, ou pegando fanarts no Deviantart, se não fosse interesse de uma indústria que você perdesse o seu tempo com isso (sim, perda de tempo. Não acredito que discutir que casal deve ficar junto no final do livro seja alguma coisa mais do que perda de tempo).

“Em meados dos anos 40, Adorno e Horkheimer criam o conceito de indústria cultural. Analisam a produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria. [...] A indústria cultural fornece por toda a parte bens padronizados para satisfazer às numerosas demandas, identificadas como distinções às quais os padrões da produção devem responder.”


·        Bukowski quem?

Uma vez que os livros ganham um novo papel na sociedade – uma forma de entretenimento -, ele perde o papel primordial que é conferido a todo produto cultural: o desenvolvimento da criticidade do sujeito. A consequência disso é um leitor que muito lê, mas nada absorve. Os livros que ele pega na bandeja da Indústria Cultural são de fácil digestão e ótimos para passar o tempo, mas não o estimularão a se aprofundar na construção do sujeito, na vida, na política, nos estudos, ou qualquer tópico que realmente importe. Livros que não o farão pensar, mas inibirão o seu pensamento. Que invés de levá-lo a compreender o mundo a sua volta, o afastarão dele, o trancando em uma realidade fantástica que tornará apático o mundo real.

·         Livros brasileiros são tão chatos e a idiotice de Rafael Draccon

Feito do livro nada mais do que uma televisão ou um video game em forma de narrativa literária, chegamos ao repúdio às obras literárias feitas de forma a estimular o pensamento. O leitor não consegue mais apreciar uma narrativa sobre os aspectos da vida de um sujeito que não é um bruxo, ou os amores de alguém que não seja um vampiro, ou os questionamentos sobre a vida de uma pessoa que não está inserida em um contexto pós-apocalíptico. O corriqueiro vira chato. A vida real não tem mais graça. Se todo o mundo ou a galáxia não está correndo perigo, então não vale a pena ser lido.
O grande truque no qual Walter Benjamin fala em seu “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” é que em algum ponto, para vender mais, a Indústria Cultural ofereceria como produto algo que se aproximasse da realidade do consumidor. Daí que nossos mocinhos sempre são humanos comuns, entediantes, até serem arrastados de sua realidade e tornarem-se especiais. Não é esse o sonho de todo leitor de Harry Potter que quer viver em Hogwarts?
Ainda na proposta de trazer o mundo literário para perto do leitor, temos o seu desejo de se tornar escritor. Deixarei Walter Benjamin falar por si só:

Durante séculos, houve uma separação rígida entre um pequeno número de escritores e um grande número de leitores. No fim do século passado, a situação começou a modificar-se. [...] Um número crescente de leitores começou a escrever. Com isso a diferença essencial entre autor e público está a ponto de desaparecer. [...] A competência literária passa a fundar-se na formação politécnica, e não na educação especializada, convertendo-se, assim, em coisa de todos”.

Já se perguntou por que Stephanie Meyer escreve tão mal e vende tanto? Pois é. É porque agora qualquer um pode escrever!

Pincelarei o discurso recente de Rafael Draccon aqui para não deixar este artigo muito longo. O famoso escritor brasileiro de fantasia disse que o que um escritor precisa para ser publicado hoje em dia é, basicamente, tornar-se uma celebridade. O escritor é convertido a um ator de Hollywood, que deve preocupar-se com a aparência, ir a eventos, apertar a mão de todo mundo, interagir com os seus fãs, ganhar simpatia. Não importa se ele escreve bem ou não, se sua obra tem originalidade ou não, se ele escreveu novo romance de Nicholas Sparks ou o próximo vencedor do Prêmio Pulitzer. O que importa é que ele esteja em vista.

·         Achei a leitura muito lenta

Quantas vezes já não vi em grupos de leitores alguém soltar a pérola “abandonei o livro porque ele era muito lento”? A reposta que fica na ponta da língua é sempre a mesma: “desculpe, achei que você estivesse procurando por um livro, não por um filme do Bruce Lee”.
Quem foi que disse que um livro tem que ser rápido e dinâmico? Quem foi que disse que tudo tem que ser mastigado e enfiado goela abaixo do leitor? Quem foi que disse que um livro tem que ter uma quantidade medida de ação? Rafael Draccon?
O livro toma o seu tempo para expor a ideia proposta pelo escritor. Mas é claro que, se estou lendo sobre fadas procurando por uma ampulheta mágica para salvar o Reino das Fadas, e a leitura está maçante, então o livro não cumpre bem nem o seu papel de entretenimento básico para alunos do ensino fundamental. Refiro-me aqui a reclamações do ritmo de leitura dos clássicos. Ah, sim, os clássicos. O terror de todo leitor moderno (isso não soa redundante? Como os leitores tem medo dos livros clássicos?).
      Você acha a leitura lenta porque não está acostumado a livros que peçam mais de você do que passar os olhos pelas páginas e imaginar um castelo.

A indústria cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria. A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica. A produção industrial sela a degradação do papel filosófico-existencial da cultura”.


·         Abandonei o livro porque era difícil de ler

Se você está se preparando para começar a me xingar, espere um pouco.
Walter Benjamin diz que cultura de massa tem o seu lado positivo, pois ao menos o receptor estaria tendo contato com a cultura e através dela poderia chegar à alta-cultura (alta-cultura se entende como aquela que promove o pensamento). Então sim, é possível que um fã de Edward Cullen amanhã seja um apreciador de Tolstói. Só que, para isso, o leitor deve buscar o aprofundamento de seus autores, não apenas a repetição de leituras superficiais.
Já Umberto Eco vem para apontar esse erro, pois não há garantias de que o receptor vá absorver a mensagem passada ou chegar à alta-cultura um dia (nem todo fã de Crepúsculo irá ler Tolstói, talvez ele só mude o foco para A Culpa é das Estrelas). O receptor fica preso àquele universo alienante e nunca estará apto a ler algo mais complexo porque “é muito difícil de ler”. Ele não terá paciência para Machado de Assis, porque ler Dan Brown é mais fácil. O leitor fica preguiçoso, e compõe uma visão errônea da leitura: invés de ser primordialmente construtora de sentidos e depois entretenimento, os livros passam a ter como obrigação entreter.
“Não se pode obrigar alguém a gostar dos clássicos” e “Gosto não se discute”? Não, e sim. A criação, formação e o círculo de amizades de um indivíduo é o que rege os seus gostos, então sim, gosto se discute. Isso não é questão de gosto. Não, não se pode obrigar ninguém a gostar dos clássicos, mas o que se pode, e se deve, é educá-los para tal. Gosto é questão de bagagem cultural.

·         Tem continuação?

As sagas literárias são as grandes vilãs desse processo. Elas são divertidas, reúnem milhares de fãs aonde quer que passem, movem uma indústria bilionária, rendem fanpages, cosplays, fandons, e até criam palavras novas ou reinventam o significado de outras (eu me lembro de quando podia dizer “trouxa” sem alguém gritar ao fundo “é fã de HP?”).
Sagas literárias são nada mais nada menos do que o filhote malvado da Indústria Cultural. São alienantes e não trazem qualquer enriquecimento pessoal aos seus leitores. É apenas entretenimento, cru e sem objetivos, sem autenticidade, sem aura, que estimula o fanatismo e não é nada diferente de sentar na frente da televisão todas as noites às nove horas e assistir a novela da Globo. Meios diferentes para um mesmo objetivo.


Meu objetivo com esse post é causar a sua indignação e levar a reflexão, por isso mesmo eu vou encerrá-lo sem conclusão.
Vou propor apenas um pequeno exercício. Olhe para a sua estante (real ou virtual) e pense: quando foi a última vez que uma leitura acrescentou algo à minha vida? O que realmente é importante para a minha vida?
O meu resultado foi chocante, e tenho certeza de que o seu também será.


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Comentários

  1. Jafé says:

    É... recentemente discuti com uma pessoa que já leu alguns desses "famosos de meia tigela". Esta me pediu um livro e recomendei e emprestei Drácula (Bram Stocker). Para minha surpresa, ao chegar a cerca de um terço do livro, a pessoa me disse que não estava empolgada e ia terminar de ler por que, afinal de contas, havia começado. Eu simplesmente dei de ombros e rebati: é um clássico.

    Perdoem-me os senhores de universos paralelos, mas um clássico é um clássico. Ele não precisa atestar qualidade, ela já foi atestada por gerações. Já com relação às Terras Tupiniquins, nossos autores são extraordinários (Machado, Alencar...) e estão sendo preteridos em vista dos autores "da moda". É triste. Vivemos na era da informação mas nunca estivemos tão burros ( e alienados).

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