O Oceano no Fim do Caminho: Uma Fábula Moderna

Foi há quarenta anos, agora ele lembra muito bem. Quando os tempos ficaram difíceis e os pais decidiram que o quarto do alto da escada, que antes era dele, passaria a receber hóspedes. Ele só tinha sete anos. Um dos inquilinos foi o minerador de opala. O homem que certa noite roubou o carro da família e, ali dentro, parado num caminho deserto, cometeu suicídio. O homem cujo ato desesperado despertou forças que jamais deveriam ter sido perturbadas. Forças que não são deste mundo. Um horror primordial, sem controle, que foi libertado e passou a tomar os sonhos e a realidade das pessoas, inclusive os do menino. Ele sabia que os adultos não conseguiriam — e não deveriam — compreender os eventos que se desdobravam tão perto de casa. Sua família, ingenuamente envolvida e usada na batalha, estava em perigo, e somente o menino era capaz de perceber isso. A responsabilidade inescapável de defender seus entes queridos fez com que ele recorresse à única salvação possível: as três mulheres que moravam no fim do caminho. O lugar onde ele viu seu primeiro oceano.
Nota:

            Eu prometi a mim mesma que não leria O Oceano no Fim do Caminho antes dos livros anteriores do Gaiman, mas devido ao excelente preço em comparação aos demais (Lugar Nenhum, do mesmo autor, não se acha por menos de 40,00) acabei comprando e lendo primeiro. Eu sabia que não seria a melhor coisa que o Gaiman tinha escrito. Mas O Oceano no Fim do Caminho conseguiu me ganhar com sua sutileza.
                Em primeiro lugar, eu sou uma grande fã de Neil Gaiman. Ele é meu autor favorito ainda vivo, e durante a leitura de seu novo livro ele muitas vezes me relembrou porque eu dedico tanto carinho e admiração à suas obras.
                Em “O Oceano no Fim do Caminho”, um homem dirige até o fim da rua onde morou quando era criança. Lá, ele encontra uma casa. A casa das Hempstock, se lembra. Ele se senta no velho banco diante de um lago nos fundos da propriedade, e é ali, sentado diante do lago que Lettie Hempstock dizia ser um oceano, que ele se lembra.
                As memórias da infância do protagonista são desenroladas com polidez nostálgica, detalhes aconchegantes e narrativa característica dos livros de Neil Gaiman. Se nunca leu nada deste autor, eu adianto: é nada menos do que maravilhoso. É envolvente, fascinante, ele consegue lhe transportar para ambientes em que você se sente seguro, feliz, confortável, e de onde nunca mais quer sair. A narrativa de Gaiman nos faz sentir criança outra vez, e ver pelos olhos de uma o mundo adulto. Eu adoro quando Gaiman trabalha com crianças; é quando ele se solta mais, quando faz suas histórias mais bonitas. O Oceano no Fim do Caminho é, também, melancólico. O protagonista é um menino solitário, medroso, sem amigos, e logo no primeiro evento que narra somos apresentados a uma cena no mínimo desconfortável: ele, em sua festa de sete anos, sentado só em uma mesa com chapeuzinhos, lembrancinhas, um grande bolo e cadeiras vazias. Ninguém veio.
                Os pais do protagonista enfrentam dificuldades financeiras e precisam alugar o quarto de cima. Quando um inquilino comete suicídio no carro da família, lá no fim da estrada, no limite das terras das Hempstock, é quando as memórias de sua infância ficam turbulentas. Como ele podia ter se esquecido daquilo? Como podia ter se esquecido de Lettie Hempstock, da velha Hempstock e da senhora Hempstock?
                Lettie Hempstock, uma menina de 11 anos (“há quanto tempo você tem onze anos?”, ele pergunta, ao que ela responde com um sorriso) que parece saber de tudo, diz coisas confusas sobre o lago – lago não, Oceano. Ela diz que algo está acontecendo com o Oceano e as pessoas daquela cidade. E de fato estão. O menino acorda com uma moeda rasgando sua garganta, e é quando Lettie decide fazer alguma coisa. Com a autorização da mãe e da avó para levá-lo como companhia, caminham pelas terras das Hempstock – mas ele sabe que de alguma forma aquela não é mais a fazenda – e encontram A Pulga. Ele acha que a derrotaram. Mas, quando volta para cara, traz algo consigo. Algo perigoso, assustador, que obriga seu pai a tentar afogá-lo na banheira e quer lhe trancar no sótão com monstros.
                Não vou além daí para não estragar a história.
                No fim, eu posso dizer que gostei bastante do livro. É uma fábula moderna, cheia de magia, mistério e beleza, e toda a sutileza da infância. Mas acredito que a propaganda em torno do lançamento seja bastante enganosa. “O primeiro romance adulto de Gaiman desde 2005”? O Oceano no Fim do Caminho não é um romance adulto. Assim como Coraline (do mesmo autor, que aliás tem um filme de animação), é um livro para crianças inteligentes, jovens adultos, e adultos que querem se lembrar de como era ser criança. É um livro que exala Neil Gaiman, pequeno, rápido de ler, para ser dirigido em algumas horas de leitura solitária, e que vale muito a pena ser lido.

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Comentários

  1. Unknown says:

    Acho a capa perfeita!
    Nunca li nada dele, esse parece ser ótimo!
    Beijinhos
    Rizia - Livroterapias

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